Um dia como tantos outros. Debruçado no portão, o homem estendia o seu braço para tocar a campainha. Não alcançava, insistia, insistia, e nada.
Uma jovem, com a cabeça por entre a porta semi aberta, grita lá de dentro:
-O que o senhor deseja? -Está precisando de alguma coisa?
A expressão foi tão grotesca que aquele senhor de barbas desalinhadas,
cabelos que o vento tratou de arrepiar, lançou um olhar de comiseração,
aprumou-se, deu dois passos, olhou para a menina e fez um sorriso triste:
-Nada não, minha filha.
Olhou mais uma vez para aquela casa e saiu com lágrimas cortantes que rolavam pela face encarquilhada.
Sentou-se sob uma pequena árvore, retirou um pedaço de papel, um velho toco de lápis, quase sem ponta, rodou entre os lábios e riu.
Escolheu uma frase que pudesse descrever aquela cena anotou no papel amassado e saiu dali com ele entre os dedos, caminhando em passos cadenciados.
Colocou a mão esquerda no bolso, retirou uma gaita de poucos recursos
e tocou algumas notas musicais, chamando a atenção de algumas pessoas que passavam.
Olhou para o alto, como a buscar alguma coisa, e deixou-se apreciando o céu encoberto de nuvens passageiras durante alguns minutos. Continuou caminhando.
Em dado momento, sacou uma côdea de pão ressecado, comeu prazerosamente e bebeu água no chafariz da praça. Procurou um banco e exposto ao frio, deixou-se ficar naquela posição até o dia seguinte.
Levantou-se, ajeitou as calças e rumou para aquela mesma casa.
Novamente tocou a campainha. A mesma jovem colocou a cabeça fora da porta:
– O que o senhor deseja? Ele saiu sem dizer nada e convulsivamente chorou.
Olhou para os pés feridos.
Balbuciou algumas palavras deitou-se na calçada sem ser notado.
No dia seguinte o sol queimava-lhe as faces escuras e sujas.
A jovem aproximou-se dele para falar-lhe alguma coisa.
Ele colocou o indicador em posição vertical por sobre os lábios:
Sumiu. Seu vulto transformou-se numa luz, misturando-se na multidão.
Pensamentos aturdiram aquela jovem, quase uma criança, que procurou a mãe para contar-lhe o ocorrido.
Quando a filha relatou o caso, lágrimas rolaram daquelas duas criaturas.
Foi aí que a mãe lhe indagou: -Onde está o seu pai? A filha balbuciou:
-Pois é…
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